terça-feira, 3 de setembro de 2013

Físico ou Abstrato - parte 7.



Ventava muito aquela a tarde e ao longe o sol se preparava para beijar o mar. Eu estava de pé no pier as margens do rio Órion. O estranho homem que me dera um livro maldito de presente e me salvara do abismo da morte marcou comigo as cinco da tarde, disse que precisávamos esclarecer algumas coisas e começar os "trabalhos de reconstrução". Faltavam trés minutos para as cinco horas!
Naquele curto espaço de tempo tentei organizar os últimos dias, queria entender como o estranho noturno, como me acostumara a chama-lo, sábia tanto sobre minha vida. O  livro, quem o tinha escrito? Pudera alguém ter me observado, cada passo dado nos últimos dez anos? Mas qual seria o propósito? Vingança? Talvez meu marido tivesse descoberto tudo e o tal estranho fosse um detetive particular, contratado por ele, parte de uma vingança bem elaborada.
- Pare de pensar besteiras Marcela! - Irrompeu uma voz atrás de mim. Era ele!
- Seu marido pensa que você está morta. Assim como suas filhas e toda sua família também acreditam. Afinal de contas esse foi o plano não? Foi assim que você decidiu fazer, e foi isso o que você fez. Você  está morta para todos eles Marcela!
 Naquele instante o lado esquerdo do meu peito palpitava e o ar até então abundante se extinguiu. O estranho noturno estava bem atrás de mim e sábia perfeitamente o que eu tinha pensado milésimos atrás. Pensado! Eu não disse uma palavra se quer, apenas pensei no mais profundo e intrínseco lugar de minha consciência. Por fim, percebi o quanto as palavras do estranho me apunhalaram. Morta! Eu estava morta. Uma morte que eu mesma havia forjado.

- Vamos Marcela, deixe logo de pensar em detalhes tão superficiais. - o homem deu alguns passos ficando lado a lado comigo, mas não olhou para mim, seus olhos e sua atenção estavam voltados para o mar. - Serei breve e claro quanto ao que tem que ser feito.
- Recuperei a consciência e comecei a falar.
- Mas como assim será breve? Preciso de respostas! Quem é você por Deus? O que quer de mim? E como sabe no que estou pensando? Por favor me responda. Deixe de me perturbar! - Na ultima frase eu já tinha perdido o medo e comecei a gritar, mas fui interrompida, ele não tolerou minha petulância.

Chega! - O homem estranho dos últimos dias estava alterado, seus olhos saltavam das órbitas e as veias do seu pescoço estava pulsantes, inchadas e vermelhas e isso  me assustou. Respirei fundo, contive o choro e me calei.
- Marcela, - O estranho tinha voltado instantaneamente a sua forma original. - Eu não lhe devo satisfação alguma, é você quem deve se justificar diante daqueles que você machucou. O que tenho a propor é uma chance, um ultimo dever que você tem para com a sua família. Por a caso sabe como eles estão? Sabe afinal qual rumo tomaram suas filhas? Seu marido?
Não Marcela, você não sabe! E tudo isso por que? Porque você simplesmente os abandonou.

Aquela homem trouxe de volta uma verdade irrefutável. Eu abandonei minha família sim. Mas se continuei distante foi para não machuca-los ainda mais, talvez distante eu pudesse dar a eles uma segunda chance, uma outra vida, sem a minha interferência.
Mas naquele momento apenas uma coisa preenchia a minha total atenção. Eu tinha um ultimo dever para com eles, uma ultima chance, mas qual?
Me virei de impeto para o estranho ao meu lado, ele também tirou os olhos do mar e me olhou na alma, seu olhar me causava medo e me repreendia a qualquer minimo movimento que fosse, mas tive força e busquei coragem para perguntar.

- Qual? Qual é o meu ultimo dever?



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